FERNANDA ESCOUTO
DO CONEXÃO PODER
Advogados de Mato Grosso repudiaram, nesta quinta-feira (14), a solicitação do ministro da Agricultura e Pecuária (Mapa), Carlos Fávaro, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para conter o aumento no número de pedidos de recuperação judicial (RJ) por parte de produtores rurais pessoas físicas.
Fávaro se reuniu com o Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão, e o advogado-geral da União, Jorge Messias, na segunda-feira (11), para tratar do assunto.
Entretanto, o grupo de advogados destaca que a recuperação judicial não é um subterfúgio para o não pagamento de dívidas e, sim, uma ferramenta prevista em lei para ajudar devedores a regularizar suas dívidas.
“O ministro faz parte do Poder Executivo, ele não tem nenhuma autonomia para mandar ou dizer como o Poder Judiciário deve seguir. Não cabe ao ministro ir contra os interesses da parte fraca disso, que são os pequenos agricultores. Ele quer ensinar o Poder Judiciário como se deve fazer”, disse o advogado Rubem Vandoni ao RepórterMT.
O advogado ressalta que a recuperação judicial não é o problema, mas uma das importantes soluções para a crise.
“Me causa espanto que o Mapa esteja indo contra os interesses dos pequenos agricultores para defender os interesses dos grandes. A Recuperação Judicial às vezes é a única alternativa para continuar no mercado e esses produtores estão amparados por lei”, completou.
A nota é assinada por advogados de Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo. São eles: Alex Matos Advogados, Bárbara Brunepo Advocacia, Bueno Ferreira Advogados, DASA Advogados, ERS Advocacia, Frange Advogados, JRCLaw, Lock Advogados, Mestre Medeiros Advogados, MRTB Advogados, Opo Gubel Sociedade de Advogados, Pedro Reis Advogados, Pimentel & Mochi Advogados Associados, RJV Advogados, RSSA Advogados, Serafim & Carinhena Advocacia e Sguarezi & Vieira Advogados.
“Esperamos, pelo governo, o cumprimento de seu programa e a defesa intransigente dos produtores rurais, a maior parte deles agricultores familiares, que não podem ter ainda mais direitos retirados [...] é preciso defender quem madruga todos os dias nesse país para produzir no campo”, concluiu.
Confira abaixo a nota na íntegra:
Como defensores dos interesses do agronegócio brasileiro, escritórios atuantes em processos de recuperação judicial, instituído pela Lei 11.101 no ano de 2005, julgam importante esclarecer dúvidas sobre o instituto, a par das recentes declarações do Ministro da Agricultura e Pecuária (MAPA), Secretário de Política Agrícola do MAPA e ofício 162/2024/GAB-G exarado pelo mesmo órgão, bem como as associações ANDAV – Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos, ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos e ANEC – Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, pelos quais solicitam medidas ao CNJ – Conselho Nacional de Justiça para “instrução na aplicação” da Lei 11.101/2005 com o objetivo de conter o aumento os pedidos de recuperação judicial (RJ) por parte de produtores rurais.
Não é verdade que a recuperação judicial é um subterfúgio para o não pagamento de dívidas: dados de recente levantamento, realizado dentro do programa de pós- graduação em Agronegócios da USP, confirmam que, desde a autorização para que produtores rurais pessoas físicas pudessem se socorrer da recuperação judicial, não houve aumento da taxa de juros e/ou inadimplência. Ao revés, os números demonstram que a inadimplência caiu, comprovando que a disponibilidade da ferramenta não tem qualquer relevância para à análise.
Também não é verdade que o processo de recuperação judicial deixa mais moroso o pagamento da dívida. Dados divulgados no painel CNJ, informam que a execução judicial em primeiro grau leva, em média, quase 8 anos, sem garantir qualquer solução de fato para o débito. Por sua vez, a recuperação judicial, com as alterações promovidas pela lei nº. 14.112/2020, tem desfecho obrigatório, com início de pagamentos em aproximadamente 1 (um) ano, priorizando os que mais precisam, como os trabalhadores rurais.
Apesar de reconhecer os desafios sem precedentes, ante as adversidades climáticas, queda de cotações internacionais e encarecimento de custos de produção, a recuperação judicial não é o problema, mas uma das importantes soluções para a crise, assim como a recuperação extrajudicial e as medidas antecedentes, como a mediação.
Conclamamos o Ministério da Agricultura e Pecuária para criar novas alternativas para reestruturação do endividamento, inclusive no âmbito do processo de Recuperação Judicial, fortalecendo o instituto já consagrado em nosso ordenamento jurídico.
Certo é que a legislação está prestes a completar 20 anos de vigência e já socorreu inúmeras empresas e empresários em dificuldades financeiras, possibilitando que estes possam reestruturar suas dívidas por meio da preservação de suas atividades econômicas e, consequentemente, manter empregos e contribuir para a economia, objetivo estampado na própria Lei em seu artigo 47.
A limitação do uso do instituto não resolve a crise do produtor e apenas beneficia alguns poucos agentes capitalizados, que ante a sofisticação das garantias prestadas, poderiam se satisfazer rapidamente, em substituição as inúmeras famílias que dependem desses negócios.
Esperamos, pelo governo, o cumprimento de seu programa e a defesa intransigente dos produtores rurais, a maior parte deles agricultores familiares, que não podem ter ainda mais direitos retirados. O agronegócio não reside na Faria Lima, é preciso defender quem madruga todos os dias nesse país para produzir no campo.
Por fim, reiteramos nosso compromisso com a defesa dos direitos e interesses dos produtores rurais brasileiros e apelamos por um diálogo mais informado e equilibrado sobre o tema. É fundamental que a sociedade e os meios de comunicação abordem a recuperação judicial com a devida profundidade, reconhecendo sua importância estratégica não apenas para o agronegócio, mas para a economia brasileira como um todo.
Conclamamos todos os envolvidos a refletirem sobre as realidades do setor agropecuário brasileiro, evitando generalizações e valorizando as ferramentas legais disponíveis para a preservação da atividade rural, que é pilar de sustentação do nosso país.
14 de março de 2024.